José Carlos Barros nasceu em Boticas, em 1963. É licenciado em
Arquitectura Paisagista pela Universidade de Évora e vive em Vila Nova de
Cacela, Algarve.
A sua atividade profissional tem sido exercida nos domínios do
ordenamento do território e da conservação da natureza.É autor dos livros de poesia Uma Abstracção Inútil, Todos os Náufragos, Teoria do Esquecimento, Pequenas Depressões (com Otília Monteiro Fernandes), As Leis do Povoamento (editado também em castelhano). Com Sete Epígonos de Tebas venceu o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama 2009.
Em 2003 estreou-se na prosa com O Dia em Que o Mar Desapareceu. venceu vários prémios literários (com destaque para o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, que lhe foi atribuído duas vezes) e os seus textos poéticos estão publicados em vários países.
O Prazer e o Tédio é o seu primeiro romance, adaptado ao cinema por André Graça Gomes.
Em 2103 publica Um amigo para o Inverno.
Os noticiários da manhã
Os noticiários da manhã abriram com essa imagem
fabulosa: dois poetas construíam um edifício.
Não era um edifício abstracto. Não
era o utópico edifício do coração das obras.
Era um edifício verdadeiro: alicerces,
paredes, telhado; pedra, tijolos,
cimento. Em vez do exercício habitual
de poetas procurando destruir os edifícios
todos da cidade, um a um, disparando canhões
de pólen, estes dois poetas erguiam
um edifício verdadeiro, concreto,
tangível. E isto é de uma humanidade
comovente. E isto chego a pensar
que quase merecia um poema.
É verdade que sinto
É verdade que sinto um imenso desprezo
pelos poetas. Por todos os poetas.
Esses seres ignóbeis que escrevem
a palavra «estrela» e uma estrela, de súbito,
nos queima os dedos distraídos. Uma
vez esteve aqui um poeta. Escreveu
a palavra «labareda». E ainda hoje as manchas
do fogo sujam as paredes e os
mosaicos vidrados da sala de reuniões
do Conselho de Administração.
Uma leitura pública num café de Punta Umbría
Quando leio um poema em voz alta
sinto que as pessoas me olham
como se esperassem uma revelação.
Como se estivessem à espera dos milagres.
E hoje, finalmente, quase cedo à
tentação de explicar os mecanismos
dos milagres. Por exemplo:
eu posso fazer gelo escrevendo apenas
a palavra «gelo». E isso mesmo
faria neste momento
se não temesse que os mais distraídos
usassem o gelos nos copos
altos do gin tónico.
PUBLICADO AQUI
O Prazer e o Tédio
Autor: José Carlos Barros
Editora: Oficina do Livro
N.º de páginas: 191
ISBN: 978-989-555-462-1
Ano de publicação: 2009
Autor: José Carlos Barros
Editora: Oficina do Livro
N.º de páginas: 191
ISBN: 978-989-555-462-1
Ano de publicação: 2009
Autor discretíssimo, José Carlos Barros (n. 1963) publicou seis livros de
poemas nos últimos 15 anos, em edições pequenas, de circulação restrita e
escasso impacto mediático, que fizeram dele um dos segredos mais bem guardados
da poesia portuguesa contemporânea. Em Maio, recebeu o Prémio Nacional
Sebastião da Gama, atribuído a Os Sete Epígonos de Tebas, obra ainda
inédita. Arquitecto paisagista de formação, natural de Boticas (Trás-os-Montes)
mas a viver no Algarve (Vila Nova de Cacela) desde os anos 90, JCB publicara
até agora apenas um texto de ficção: O dia em que o mar desapareceu
(conto, Colibri, 2003). Um pouco à maneira dos folhetins oitocentistas, O
Prazer e o Tédio foi sendo publicado durante o ano de 2008, capítulo a
capítulo, não em jornais – como no tempo de Camilo – mas no seu blogue. A excelência do
resultado, porém, impunha que este romance magnífico fosse publicado em papel,
o que felizmente veio a acontecer.
O Prazer e o Tédio começa por ser a história de um edifício em ruínas: a Casa a Jusante da Ponte de Arame, construção antiga e saturada de memórias que Aline – uma mulher de 40 anos em luta contra o tédio que a paralisa (e mais ponto de fuga do relato do que protagonista) – não sabe se há-de reconstruir ou vender. O livro avança devagar, contemplando os esplendores naturais da bacia hidrográfica do Terva (as cumeadas, as encostas, as árvores, a luz, o rumor das águas), reflectindo sobre a passagem do tempo e o modo como as pessoas se agarram à terra, sobre essa «finíssima membrana» que separa o prazer dos seus perigos.
Então, quando parecia definir-se um certo rumo para o texto, este desvia-se, acelera e expande-se numa verdadeira saga familiar, com vários narradores, dezenas de personagens e uma hábil oscilação entre várias épocas históricas. Estamos agora em pleno realismo mágico, «como num romance sul-americano», com as tramas a atravessarem gerações e as tragédias acentuando as descontinuidades cronológicas. Há mulheres que adivinham o futuro, outras de cuja nudez emana uma luz que cega e queima, há perfumes no ar (alecrim, erva-cidreira) tão espessos que se tornam palpáveis, a fazer lembrar os primeiros livros de José Riço Direitinho.
Depois regressa a erosão, desfaz-se tudo outra vez, porque este livro reflecte sobretudo uma dupla impossibilidade. A da paisagem, frágil pano de fundo que é sempre inventado e destruído pelos homens (ou melhor, pelo poder central: o que põe o pinheiro bravo no lugar das espécies autóctones; o que ergue as barragens que tudo submergem). E a impossibilidade da própria narrativa, vezes sem conta assinalada por uma das narradoras (prima de Aline), porque «uma história, qualquer história, começa sempre muito antes ou muito depois das primeiras frases». Isto é, «não tem princípio nem fim».
Não poupemos nas palavras: O Prazer e o Tédio é um dos mais belos e arrebatadores romances de estreia publicados em Portugal na última década. Saber que o seu autor não ficará por aqui – estando já a escrever, novamente em blogues, outros dois folhetins (As Heranças Indevisas, que se mantém em paisagens nortenhas [e entretanto mudou de título para Se Pudesses Regressar]; e A Onda Gigante, situado a Sul, no Algarve) –, representa uma espécie de consolo e uma nota de esperança quanto ao futuro da ficção nacional, nestes tempos em que a crise tudo parece contaminar com a sombra de nuvens demasiado negras.
O Prazer e o Tédio começa por ser a história de um edifício em ruínas: a Casa a Jusante da Ponte de Arame, construção antiga e saturada de memórias que Aline – uma mulher de 40 anos em luta contra o tédio que a paralisa (e mais ponto de fuga do relato do que protagonista) – não sabe se há-de reconstruir ou vender. O livro avança devagar, contemplando os esplendores naturais da bacia hidrográfica do Terva (as cumeadas, as encostas, as árvores, a luz, o rumor das águas), reflectindo sobre a passagem do tempo e o modo como as pessoas se agarram à terra, sobre essa «finíssima membrana» que separa o prazer dos seus perigos.
Então, quando parecia definir-se um certo rumo para o texto, este desvia-se, acelera e expande-se numa verdadeira saga familiar, com vários narradores, dezenas de personagens e uma hábil oscilação entre várias épocas históricas. Estamos agora em pleno realismo mágico, «como num romance sul-americano», com as tramas a atravessarem gerações e as tragédias acentuando as descontinuidades cronológicas. Há mulheres que adivinham o futuro, outras de cuja nudez emana uma luz que cega e queima, há perfumes no ar (alecrim, erva-cidreira) tão espessos que se tornam palpáveis, a fazer lembrar os primeiros livros de José Riço Direitinho.
Depois regressa a erosão, desfaz-se tudo outra vez, porque este livro reflecte sobretudo uma dupla impossibilidade. A da paisagem, frágil pano de fundo que é sempre inventado e destruído pelos homens (ou melhor, pelo poder central: o que põe o pinheiro bravo no lugar das espécies autóctones; o que ergue as barragens que tudo submergem). E a impossibilidade da própria narrativa, vezes sem conta assinalada por uma das narradoras (prima de Aline), porque «uma história, qualquer história, começa sempre muito antes ou muito depois das primeiras frases». Isto é, «não tem princípio nem fim».
Não poupemos nas palavras: O Prazer e o Tédio é um dos mais belos e arrebatadores romances de estreia publicados em Portugal na última década. Saber que o seu autor não ficará por aqui – estando já a escrever, novamente em blogues, outros dois folhetins (As Heranças Indevisas, que se mantém em paisagens nortenhas [e entretanto mudou de título para Se Pudesses Regressar]; e A Onda Gigante, situado a Sul, no Algarve) –, representa uma espécie de consolo e uma nota de esperança quanto ao futuro da ficção nacional, nestes tempos em que a crise tudo parece contaminar com a sombra de nuvens demasiado negras.
Avaliação: 8,5/10
[Versão aumentada de um texto publicado no n.º 82 da revista Ler]
Um amigo para o inverno
https://www.youtube.com/watch?v=SqJFaxv8_to
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