Luís Ene, que nasceu
Luís Nogueira, tinha 16 anos em 25 de Abril de 1974 e reside atualmente em
Faro, onde passou grande parte da sua infância e a adolescência.
Em 2002, foi vencedor da 1ª edição do concurso Novos Talentos com o romance A Justa Medida, publicado pela Porto Editora. No mesmo ano criou o blog Mil e Uma Pequenas Histórias, fazendo em simultâneo a sua entrada no mundo dos blogs e na arte da micronarrativa.
Em 2002, foi vencedor da 1ª edição do concurso Novos Talentos com o romance A Justa Medida, publicado pela Porto Editora. No mesmo ano criou o blog Mil e Uma Pequenas Histórias, fazendo em simultâneo a sua entrada no mundo dos blogs e na arte da micronarrativa.
Foi fundador e coeditor
da Minguante, revista de micronarrativas “online”.
Manteve durante dois
anos um programa semanal dedicado à literatura na Rádio Universitária do
Algarve.
Tem lido os seus
textos em público, acompanhado de músicos, sendo o seu projeto mais recente “A
língua no ouvido”.
...
* A justa medida / Luís
Ene. [1a ed.]. Porto : Porto Editora, 2003. ISBN 972-0-04145-5
* Blogs / Paulo Querido, Luís Ene. 1a ed. Lisboa : Centro Atlântico, 2003. ISBN 972-8426-75-5
* Mil e uma pequenas histórias / Luís Ene. 2a ed. Faro : Pauloquerido.comUnipessoal, 2005. ISBN 972-99434-0-0
* Muchas veces me sucede olvidar quien soy, Luís Ene, Ayuntamiento de Punta Umbría, 2006
* Saudade de água : memórias de Faro / Luís Ene. 1a ed. [S.l.] : Cão Danado, 2011. ISBN 978-989-20-2229-1
* Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido / Luís Ene : Lua de Marfim, 2016 . ISBN: 978-989-8724-88-5
* Blogs / Paulo Querido, Luís Ene. 1a ed. Lisboa : Centro Atlântico, 2003. ISBN 972-8426-75-5
* Mil e uma pequenas histórias / Luís Ene. 2a ed. Faro : Pauloquerido.comUnipessoal, 2005. ISBN 972-99434-0-0
* Muchas veces me sucede olvidar quien soy, Luís Ene, Ayuntamiento de Punta Umbría, 2006
* Saudade de água : memórias de Faro / Luís Ene. 1a ed. [S.l.] : Cão Danado, 2011. ISBN 978-989-20-2229-1
* Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido / Luís Ene : Lua de Marfim, 2016 . ISBN: 978-989-8724-88-5
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Crítica de Fernando Martins ao livro Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido
***
A LÍNGUA NO OUVIDO
...
Poema performance
...
QUEM
QUER SER PORTUGUÊS
(poema
didáctico)
1
“Portugal:
questão que eu tenho comigo mesmo”
Alexandre
O’Neill
Ser
português nunca foi um problema. Os portugueses sempre foram bons a ser. Mas
Portugal mudou, mudou tanto e tão depressa que os portugueses ainda não deram
por isso.
Portugal
é hoje um país medíocre, o que é bom para um país que sempre foi mau ou mesmo
péssimo.
Portugal
já não é o mesmo, mudou bastante, os portugueses é que parecem os mesmos de
sempre.
Ser
português é uma arte antiga, desacreditada e inútil, completamente inútil.
2
“O
país é pequeno e a gente que nele vive também não é muito grande”
Almeida
Garrett
Os
portugueses raramente são inteiros, existem apenas do pescoço para cima ou do
pescoço para baixo.
O português
é sempre pessimista e taciturno. Mas se é pessimista a tempo inteiro, já
taciturno só o é por turnos.
Os
portugueses quando pensam não agem,
e
quando agem não pensam.
O
português observa sempre muito, pensa bastante e critica ainda mais, não é de
admirar que pouco tempo lhe reste para agir.
Para o
português a questão nunca é ser ou não ser, para o português a questão é sempre
parecer ou não parecer. Para o português, pior do que ser pobre é parecer
pobre. O português parece sempre rico, sobretudo quando é pobre.
O que
mais distingue os portugueses é a sua quase obsessiva necessidade de imitar os
outros. Apesar do aumento crescente das desigualdades em Portugal os
portugueses continuam cada vez mais iguais: nenhum quer verdadeiramente ser
diferente.
O
português lembra-me muitas vezes aqueles homens que no esforço desesperado de
esconder a sua calvície ainda mais a revelam.
O
português esforça-se tanto por parecer quem não é que acaba por ser quem afinal
parece: alguém a tentar desesperadamente ser quem não é. Ser português não é um
estado, ser português é uma aldeia.
O
português preocupa-se muito com quem é e com quem não é, quando melhor seria
que se preocupasse com o que quer ser; ou então que não se preocupasse de um
todo e se limitasse,
apenas,
activamente,
a ser.
A
verdade, se querem mesmo saber, é que o português nunca fica bem na fotografia,
nunca
fica bem na fotografia e todos os espelhos o deformam.
3
“Esta
é a ditosa Pátria minha amada”
Luis
de Camões
Em
Portugal nada se perde, nada se cria, tudo fica na mesma.
Num
país atrasado como Portugal, nunca chegar a horas nem cumprir prazos é sem
dúvida uma sólida demonstração de sensatez. Em Portugal a justiça não é lenta,
o
tempo é que passa cada vez mais depressa.
Em
Portugal, o tempo comporta-se de forma muito estranha, o presente repete sempre
o passado e o futuro não é mais
do que
o presente repetido.
Em
Portugal há um equilíbrio perfeito entre patrões e empregados: os patrões têm
todo o poder, os empregados têm toda a responsabilidade.
Se
existisse um super-herói português estou certo que diria que com um grande
poder vem sempre uma grande
irresponsabilidade.
Mesmo
quando nunca parece, o português
sempre
padece.
Um
português nunca está bem ou mal, está sempre assim-assim, ou então mais ou
menos.
O
verdadeiro português é completamente falso, tanto mais falso quanto mais
verdadeiro.
Os
portugueses são os primeiros a classificar a sua condição como boa
(uma
boa merda, se quisermos ser exactos).
4
“Deus
e o demónio são incompatíveis em toda a parte, excepto em Portugal”
Teixeira
de Pascoaes
O
português é um ser paradoxal, vive acima das suas possibilidades e abaixo de
cão.
O
português não gosta de trabalhar, quando não é preguiçoso é poeta.
O
português odeia a corrupção. Odeia-a com a mesma intensidade com que inveja os
corruptos. O português não discrimina os outros, o português trata igualmente
mal uns e outros.
O
português é pacífico, mas revolta-se com facilidade, a mesma facilidade com que
de novo se submete.
No que
toca à língua, os portugueses lembram alguém que atraiçoa o seu amor, a torto e
a direito, por tudo e por nada, e depois afirma que o amor é que é traiçoeiro.
O
português quase nunca é quem se julga ser; ou então é quem não é, o que é
afinal uma outra forma de não ser.
O
português é sempre vários, o problema é que a soma nunca dá certo.
Portugal
tem sido tão constante a exportar portugueses quanto a não se importar com
eles.
Será
que o português não gosta de trabalhar porque é mal pago, ou será que é mal
pago porque não gosta de trabalhar
5
“terra
de poetas tão sentimentais que o cheiro de um sovaco os põe em transe”
Jorge
de Sena
Os
portugueses são inventivos e criativos, conhecem 1001 maneiras de cozinhar
bacalhau, mas têm um único modo de ser, triste e envergonhado.
Os
portugueses riem muito, mas é quase sempre um riso alarve, que ri dos outros e
nunca de si mesmo. Talvez por isso, quem sabe, os portugueses sejam tão tristes.
Os
portugueses são tristes, tão tristes que os sorrisos têm sempre de se submeter
a rigorosos testes de selecção.
Os
portugueses são tristes,
são
tristes mas não são uns tristes.
Os
portugueses são tristes, são tristes e são poetas.
Por
isso é que em Portugal tantos poetas são tristes e tantos tristes
são
poetas.
Escusado
será dizer que o português adora a língua, mais a de vaca do que a de porco,
sobretudo quando estufada, com ervilhas.
O
português culpa-se muito,
culpa-se
muito e desculpa-se ainda mais.
Os
portugueses lamentam-se tanto que, quando não se lamentam tanto,
ainda
mais se lamentam.
Para o
português é sempre tudo ou nada e,
por
isso, raramente alguma coisa.
6
O
meu país é o país dos quatro efes
João
Bentes
O
português é persistente, muito persistente, persiste continuamente nos mesmos
erros. Ser português é sempre não ser, não ser mais do que isso.
Ser
português é afinal uma enorme arte, uma enorme arte e um ainda maior desastre.
Ser
Português não se ensina;
mas
também quem o quereria aprender?
O
corpo humano é constituído por 60
a 70 por cento de água. Fosse vinho e todo o planeta
seria português.
O
português reage aos problemas e adversidades de forma singular mas invariável:
ou somatiza ou soma tusa.
Não
ter cão e caçar com gato é ser esperto. Ter cão e caçar com gato é ser
português.
Em
dias de nevoeiro os portugueses passeiam-se orgulhosamente de óculos escuros.
O pior
de ser português, de acordo com a maioria dos portugueses, é que não há nada
pior do que ser português
7
No
meu país não acontece nada
Ruy
Belo
Em
Portugal nada se cria, nada se perde, tudo fica na mesma. Nada vale a pena em
Portugal, quando não é o corpo é a alma que está mal.
Existe
uma tão grande correspondência entre a pequenez do país e a pequenez dos
portugueses, que é legítimo perguntar se foi o país que os fez à sua medida ou
se foi exactamente o contrário.
Deixassem
os portugueses de se preocupar tanto com o seu real tamanho e talvez pudessem
vir a
ser do tamanho dos seus sonhos.
O
português ora fala de mais ora de fala de menos, que é afinal o que normalmente
acontece a quem não tem nada para dizer. Mas o português tem de falar-se, pena
é que seja muito melhor
a
calar-se.
Esquecida
que foi a raça, os portugueses tornaram-se rafeiros. Uma raça de rafeiros, se é
que me percebem.
Em
Portugal a única regra que não tem excepção é a de que não há regra sem
excepção.
Será
que os portugueses acreditam em Portugal?
Os portugueses
acreditam em Portugal, não parecem é acreditar que são Portugal.
8
“Minha
pátria é a língua portuguesa”
Fernando
Pessoa
Portugal
é dos Portugueses, mas só de alguns, dos mesmos que querem vender Portugal.
O
português vive mal,
vive
mal mas sobrevive bem. O português é inculto, piegas e não gosta de fazer
sacrifícios. Não admira assim que tenha
os
governantes
que
tem.
Saudade
é uma palavra que só existe em português. Imarcescível também. E o mesmo para
tartamudo.
O
português sente sempre saudade da ditosa pátria sua amada, aquele lugar triste
onde nasceu e onde cedo conheceu o exílio.
Para o
português a sua língua é cada vez mais a sua pátria, uma pátria resistente e
portátil que poderá sempre ter consigo quando Portugal não existir.
Se um
português está fraco é porque está doente, mas se está forte é porque está
gordo.
Os
portugueses são infelizes e talvez não o possam deixar de ser, mas bem podiam
habituar-se a ser infelizes à vez ou apenas de vez em quando.
Portugal
é pequeno e nunca será grande. Mas se nunca será grande, sempre poderia ser Grândola.
9
Eu
gosto desta terra. Nós somos feios, pequenos, estúpidos, mas eu gosto disto.
António
Lobo Antunes
Há
duas formas comuns de ser português.
Uma é
falar sempre mal de Portugal. A outra
é
nunca falar bem.
O
português nunca está ambivalente, nunca,
O
português está sempre
ambimedroso.
Portugal
é um país de mortos-vivos.
Em
Portugal nenhum assunto se resolve,
nenhum
assunto fica realmente
morto
e enterrado.
Da
discussão nasce a luz, é verdade, mas também é verdade que a luz se paga, e
está cada vez mais cara. Talvez seja por isso os portugueses evitem tanto
discutir.
Não é
verdade que os portugueses sejam uma grande seca. Pelo menos 30% são seca
extrema.
O
homem está entre a besta e o arcanjo, o português está entre a besta e o
marmanjo.
O
melhor amigo do homem é o cão, o melhor amigo do português é o cão-guia.
Não
sei do que o português gosta menos, se de ser mandado, se de mandar, mas,
mandem-me onde me mandarem, deixem-me dizer que esse é sem dúvida o principal
problema de Portugal.
Portugal,
tal como os portugueses, vai sempre andando, andando, andando. Talvez por isso
nunca chegue verdadeiramente a lugar algum.
10
Somos
um povo de pobres com mentalidade de ricos.
Eduardo
Lourenço
Em
Portugal a política é sempre uma questão privada. Entre a política e o cidadão
não há qualquer relação.
É
certo e sabido que os portugueses amam os seus semelhantes. Por isso é que
idolatram e escolhem para seus chefes homens sem qualidades, homens que por sua
vez acreditam,
acima
de tudo,
na
ausência de qualidades dos portugueses.
Em Portugal
a política e a arte são assunto exclusivo dos políticos e dos artistas, uns e
outros tão pequenos
e
auto-insuficientes como todos os
portugueses.
Em
Portugal nunca se volta atrás com a palavra, em Portugal volta-se sempre atrás
com a acção.
Em Portugal
decide-se muito, é verdade.
decide-se
muito e cumpre-se
ainda
mais.
Um
verdadeiro português nunca tem orgulho de Portugal mas tem sempre orgulho de
ser português. Ou será ao contrário?
Encontrem
um homem que se orgulhe de Portugal e dos portugueses e encontrarão um homem
ingénuo. Ou então perigoso, perigoso e necessário.
É
verdade que os portugueses contam piadas sobre tudo, mas o seu verdadeiro
problema nunca foi esse, o seu verdadeiro problema é acreditarem nas piadas que
contam.
11
“Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar”
Jorge Palma
Portugal
é a terra onde vivem os portugueses, mas os portugueses são Portugal, o resto é
paisagem.
Houve
um tempo em que estávamos orgulhosamente sós. Esse tempo já passou. Agora já
não estamos sós. E muito menos orgulhosamente.
Os
portugueses invejam quem foram e lamentam quem são. A continuarem assim, grande
coisa nunca
serão.
Os
portugueses não acreditam na providência, mas acreditam em homens
providenciais. O impossível parece-lhes sempre mais apetecível.
É
verdade que os portugueses avançam sempre de olhos postos no passado e, em
consequência, de costas voltadas para o futuro, mas isso não me parece um
problema. Para alguma coisa existem os espelhos retrovisores!
Os
portugueses dividem-se entre os que detestam e os que idolatram o processo de
decisão, o que é o mesmo que dizer que um português, qualquer que ele seja,
nunca chega realmente a decidir o que quer que seja.
Os
portugueses têm de mudar.
Nem
que para isso tenham de deixar de ser portugueses.
Os
portugueses têm de mudar.
Ou
mudam o país ou mudam de país.
12
Eu sou
o meu país,
sou
aquele que se cala, sou aquele que se diz.
Sou o
meu país e isso é que me dói.
Sou o
meu país e isso é que me rói.
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