Depois de uma primeira entrevista publicada, aqui está a segunda, desta vez ao escritor Fernando Esteves Pinto. Deixo para mais tarde uma apreciação global.
Luís Ene
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- Quanto começaste a interessar-te pela literatura, a ler e a escrever? Como se desenvolveu essa relação ao longo dos anos?
R: Comecei a interessar-me por literatura quando descobri que viviam pessoas dentro dos livros. Depois percebi que eram pessoas bem interessantes, a começar pelos autores dos livros que fui descobrindo e lendo. E deixei-me contagiar através da leitura ao ponto de querer também escrever: criar outras identidades, construir outro mundo, embora ficcional, mas com pessoas reais. E fui fazendo «amizade» com autores, naturalmente, sem indicação de ninguém, frequentando bibliotecas (não havia livros em casa). Parece que tive muita sorte: olhando para trás, tendo em conta as primeiras leituras que fiz, o percurso foi perfeito e um autor levou-me a outro, num convívio muito feliz com o mundo dos livros.
- Quando decidiste que eras ou querias ser escritor?
R: Não decidi. Senti necessidade de escrever. Eu vivia num ambiente familiar que de tão real também parecia uma ficção. Só para dar uma ideia: senti-me escritor quando ditei uma informação para um jornal sobre uma pequena tragédia na qual os meus pais quase perderam a vida. Tinha nove anos, e a informação que prestei à polícia saiu exactamente como eu a testemunhei.
- O que te atrai na escrita literária?
R: Atrai-me o estilo, a maneira como as coisas são sentidas, pensadas e escritas. Sou atraído para a escrita quando um autor deixa pontas soltas nas suas reflexões. Atrai-me a filosofia, a psicologia e a humanidade.
- Que referências literárias, autores e livros, te ocorrem?
R: Tive algumas referências literárias que a seu tempo foram decisivas na minha formação como escritor. Não as esqueço nunca. Vergílio Ferreira é uma delas. Mas também Philip Roth. E tantos outros, embora alguns só tenham sido importantes nalguns aspectos das suas obras. E, claro, haver referências só por si não significa que estejamos ligados eternamente a esses autores e aos seus livros. A obra literária é uma ferramenta. Depois temos de ser nós a saber trabalhar com ela e criar outras formas de pensar/escrever os outros.
R: Pessoalmente, não espero nada. Os meus livros, sim, esperam mais do que eu: esperam ser lidos por leitores interessados e exigentes. No fundo, eu tenho uma missão: escrever.
- Que consolação obténs com a escrita e a leitura?
R: A minha maior consolação com a escrita é sentir que o tempo é uma folha em branco, passa por mim enquanto penso e escrevo e deixa uma marca minha, uma impressão da minha identidade dirigida também aos outros. Quanto à leitura, espanto-me positivamente com alguns livros, raros, mas livros extraordinários. De resto, a leitura para mim é um «trabalho». Leio um livro com a atenção dum arquitecto que molda a natureza de acordo com as formas que lhe quer impor ou enquadrar. Portanto, quando leio estou sempre atento à construção, à forma, à interioridade, em suma: nem sei se «leio» o livro que estou a ler ou se estou a «escrever» uma nova leitura.
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