DA minha janela vê-se o
Algarve
Luís Ene
[publicado em 21/07/2016]
Oh meu Algarve
Oh meu ardente Algarve
impressionista e mole, canta João Lúcio, com palavras que muitos conhecerão de
cor, no seu poema O Meu Algarve, de 1905. O Algarve visto pelo poeta é um
Algarve belo, um Algarve vibrante, um Algarve em que os seus contemporâneos se
teriam certamente revisto (ou admirado) mas que hoje (quase) já não existe.
Numa altura em que se
discute o petróleo no Algarve e em que parece renascer a discussão sobre o
impacto ambiental do turismo na região, as palavras de João Lúcio já não nos
servem, a não ser pela sua beleza intrínseca, porque pouco se vê nelas do
Algarve de hoje.
Os tempos mudam, é
verdade, porém, para nossa felicidade, arrisco-me a dizer que existem
escritores (e aqui incluo os poetas) que continuam a olhar o mundo (e o
Algarve) e a abrir-nos os olhos. A verdade é que Portugal sempre foi um tema
privilegiado dos escritores portugueses, como facilmente concluímos quando
olhamos a literatura portuguesa. Se os portugueses (nós todos) os temos
escutado essa é outra história, como se costuma dizer.
João Bentes, nascido na
ilha de Faro, recupera um século depois
o verso de João Lúcio, e diz (acusa) por exemplo, “oh meu algarve
impressionista e trágico”. O Algarve, ainda impressionista, já não é agora
mole, mas trágico. O tom adivinha-se outro e é realmente outro; o Algarve (ou o
algarve) que este outro João nos dá a ver é outro Algarve e vale a pena o
confronto com essa visão que nos escancara os olhos para uma nova realidade que
teimamos em ignorar. Mas felizmente o poema está aí para ser lido com olhos de
ver.
De um texto de Henrique
Manuel Bento Fialho sobre o livro que contém o poema, reproduzo um pequeno
excerto que não dispensa a leitura do todo: “Distante
da comunidade lisboeta, (João Bentes) coloca no centro das suas atenções a
paisagem algarvia. É muito pertinente esta opção, não só pela ligação às
origens geográficas, mas por poder ser hoje o Allgarve um símbolo da
degenerescência portuguesa que nos trouxe ao estado de histeria nacional em que
vamos andando, paradoxalmente, cada vez mais conformados com a miséria alheia.”
Gostaria de reproduzir
aqui todo o poema, mas não o farei, não só porque não pedi autorização ao
poeta, mas sobretudo porque gostava, caro leitor, que o procurasses e o lesses
com a atenção que merece. O livro
chama-se Odes e foi publicado por uma editora algarvia, a 4 águas, em 2012.
Deixo aqui, a terminar, uma das suas estrofes, a inicial, porque o poema é tão
bom que hesito escolher uma.
oh meu algarve cimentado
em prol
da luxúria verde dos
“resorts”
deu-te deus um mar azul e
tépido
onde lavas a cara à
sombra das concessões
nos três meses que te
salvam da fome
Convido-te pois, caro
leitor, a olhares para o Algarve (ou algarve) com os olhos do poema. E até à
próxima.
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